Soluções cada vez mais personalizadas e fluidas dentro da omnicanalidade atendem clientes que já tiveram alguma decepção ao comprar peças on-line
É impossível ignorar a forma como muitas empresas têm encontrado para impactar clientes mesmo à distância. No mercado da moda, ainda muito movido pelo toque físico, certas inovações mudaram a forma como o vestuário é consumido.
As redes sociais tornaram tendências mais evidentes e o boom do e-commerce motivou os consumidores a exigirem interações digitais cada vez mais sofisticadas. Nesse cenário, recursos como a inteligência artificial têm sido incorporados na operação e os próprios consumidores já apontam essa necessidade.
O estudo “Omnicanalidade no Brasil”, realizado pela empresa de pesquisa de mercado Opinion Box e a retail tech Bornlogic, mostra, por exemplo, que cerca de metade (49%) dos entrevistados acreditam que a IA pode ajudar a prever suas necessidades e antecipar compras, além de agilizar o atendimento (51%).
Quanto às estratégias mais empregadas no uso da IA para alcançar tais vantagens, os consumidores mencionaram a presença de totens de autoatendimento nas lojas (32%), chatbots (31%) e provadores virtuais (24%).
Essas percepções indicam a urgência em criar soluções cada vez mais personalizadas e fluidas dentro da omnicanalidade. Outro material sobre o tema, produzido pelo Google, indica que 42% das pessoas que compram roupas on-line não se sentem representadas pela imagens dos modelos. Do total, 59% já tiveram alguma decepção ao provar a peça adquirida pela internet porque parecia diferente do esperado.
O que nos mostra que encontrar uma peça de roupa no tamanho certo, na cor desejada e a um preço desejável ainda está longe de ser algo simples e eficiente. É nesse contexto que os provadores virtuais estão sendo aprimorados com recursos de inteligência artificial generativa.
A ideia de promover uma experiência imersiva e mais assertiva para o consumidor – sem que ele saia de casa – tem sido testada por diversas marcas. Há poucos meses, a Levi’s passou a apresentar modelos de roupas gerados por IA.
Até então, a maioria dos produtos anunciados no aplicativo ou site da Levi’s poderia ser vista apenas em um único modelo de roupa e dentro do “padrão de mulher tradicional”: alta, jovem, branca e magra. Por sua vez, os modelos de roupas gerados por IA trazem diferentes tipos de corpos, idades, tamanhos e tons de pele.
No Brasil, um dos exemplos desse tipo de uso vem da Reserva. Para utilizar o recurso, o consumidor deve tirar uma foto que mostre todo o corpo (da cabeça aos pés) e com roupas que mostrem mais a pele, como regatas e bermudas. Algumas dicas em formato de passo a passo orientam o cliente quanto a eficiência da funcionalidade de montagem com as peças que deseja experimentar.
Para facilitar o uso do provador on-line, por exemplo, é importante colocar os cabelos atrás dos ombros e deixar os braços abaixados normalmente. Usar uma roupa justa, remover objetos do local são outros macetes que tornam o processo melhor. Depois de fazer o upload da imagem, é só clicar na opção “Vista em Você” e deixar a ferramenta agir.
Responsável pela ferramenta, Marcos de Moraes, CEO da Doris, destaca que o e-commerce não tinha um impulso ou novidade há muitos anos. “Percebemos que comprar roupa on-line trazia a mesma experiência para todos os consumidores, sem nenhum atrativo”, diz.
Para desenvolver a Doris, a equipe contou com uma parceria entre engenheiros e especialistas em deep learning (processo de aprendizado de máquina profundo para que o programa interprete os dados de uma maneira mais natural).
Segundo Moraes, além de impulsionar a taxa de conversão das compras on-line, a precisão que essa tecnologia entrega na hora da escolha do consumidor, também contribuem para o aumento do tíquete médio e reduz de forma expressiva o volume de trocas de produtos.
Pensando em aperfeiçoar essa prática, o executivo adianta que o próximo passo de Doris é dispor da experiência de combinar as roupas do site ao que o cliente já tem em casa.
Ao “entrar” no guarda-roupa do consumidor, a ferramenta pode proporcionar possibilidades de combinações que unem o real e o digital.
No caso da Reserva, Moraes explica que em um primeiro momento, a plataforma foi usada para o mercado masculino, por ser menos complexo – e que de imediato, apresentou uma conversão de 12% em vendas feitas utilizando a Doris.
Ao explicar a evolução da plataforma, Lucas Santos, diretor de TI da Doris, explica que o grande trunfo da Doris é o tempo – o inimigo de outras empresas que tentaram algo parecido. “Evoluímos muito em IA e toda a nossa arquitetura é feita em bases generativas. Há diferentes técnicas para entender a peça da roupa, onde é fundo da foto, onde é a pessoa, qual o caimento e a sensação que está vestindo aquela roupa”.
O executivo explica que grande parte do mercado tentou ir pelo caminho da realidade aumentada, que traz diversos problemas de produto. Por exemplo, se uma pessoa está com uma blusa de manga longa e quer experimentar uma de manga curta. Além disso, fazer roupas em 3D custam caro e a escala é baixa.
Para resolver o desafio, a IA da plataforma tem uma visão computacional que extrai todas as características do corpo e entrega a recomendação de medidas com assertividade de 98%. Um investimento de pouco mais de R$ 25 milhões.
Outra ação parecida lançada recentemente pelo Google é a ferramenta de inteligência artificial que permite que clientes vejam como uma peça de roupa fica ao ser vestida por diversos corpos, do PP a G3. Lançada somente nos Estados Unidos, a funcionalidade “Try On”, em português “prove”, fica na aba de pesquisa do Google e atualmente está funcionando em anúncios de blusas femininas das marcas Anthropologie, Everlane, Loft e H&M.
A ferramenta foi lançada com 40 modelos femininas de variados tamanhos, idades e biotipos, e cada usuário escolhe aquela que melhor lhe representa. A partir disso, é possível ter uma noção de como a roupa cairá em cada corpo a partir de uma técnica de IA chamada “difusão”, que cria uma imagem realista de uma pessoa vestindo uma peça específica.
Ao ser escolhida, a modelo ficará salva para testes futuros. O Google pretende lançar a versão masculina em breve.
Para Felipe Schepers, co-fundador da Bornlogic, cada vez mais, recursos como estes, que unem os mundos físico e digital, estarão presentes na vida dos consumidores como obrigatoriedade.
Tradicionalmente, a indústria da moda é criticada por promover padrões de beleza inatingíveis e um dos principais investimentos dos provadores virtuais que usam a inteligência artificial é a capacidade de atender à diversidade de corpos.
“Para tanto, a transformação digital dos lojistas será fundamental para que as marcas acompanhem essa evolução de seus públicos e que os clientes que vivam experiências marcantes”.
Fonte: Associação Comercial de Campinas (SP)
Foto: Reprodução